Como escreveu Ruy Castro em seu livro “A onda que se ergueu no mar” (Companhia das Letras / Ed. Schwarcz Ltda., S. Paulo, 2001, p.29), “todas as vezes que Tom abriu o piano, o mundo melhorou”. Assim aconteceu com “Wave”, música que Tom lançou nos Estados Unidos em 1967 num disco que também se chamou “Wave” e cuja capa mostrava uma girafa correndo num cerrado africano.
A exemplo de muitas composições de Tom Jobim, “Wave” nasceu só música e passou algum tempo sem letra. Naquele álbum de 1967, foi gravada pelo próprio Tom ao piano, acompanhado por uma orquestra com arranjo especialmente preparado por Claus Ogerman numa linda versão instrumental. Outras interpretações instrumentais surgiram depois, mas Tom queria uma letra em português para sua “Wave”. Recorreu a Chico Buarque, que já havia feito para ele as belíssimas letras de “Sabiá” e “Retrato em branco e preto”.
Mesmo um compositor da estatura de um Chico Buarque tremia e suava frio diante de alguém como Tom Jobim lhe encarregando de compor a letra para uma de suas músicas. Voltou para casa com a gravação instrumental da música em fita cassete e com o compromisso de botar letra nela.
Passaram-se os dias, passou uma semana, o tempo foi escoando e nada de o Chico se manifestar. Aí, o Tom pega o telefone e liga:
— Como é, Chico? E a letra de “Wave”?
Imaginem só a situação do pobre Chico do outro lado da linha! Havia feito só o primeiro verso e não estava conseguindo desenvolver. Mas ele tinha de dar uma resposta ao Tom ali, naquela hora:
— Ô, Tom. Já fiz o primeiro verso.
— É mesmo? E como é? — perguntou.
Do outro lado, com a voz trêmula, Chico reuniu coragem para cantar:
— “Vou te contar…”
Tom gostou:
— Que bonito! — encoraja Tom. — Mas… e o resto?
— Ah, Tom, me dá mais um tempo que eu termino!
— Tá bom, Chico. Vou esperar…
E ficou esperando, esperando. Passados mais alguns dias, como o Chico não rompesse o silêncio, o parceiro volta à carga:
— Olá, Chico! Tudo bem?
— Pois é, Tom. Não tenho novidades. Não consigo sair do primeiro verso…
Esta história estava sendo contada por Tom numa entrevista. A esta altura, ele diz ao entrevistador:
— Eu percebi que o Chico não ia sair do primeiro verso e resolvi eu mesmo pôr mãos à obra.
Conhecemos o resto da letra. Tom aproveitou o primeiro verso do Chico e emendou um pensamento do aviador e escritor francês Antoine de Saint-Exupéry que, num de seus textos, afirmava que “o essencial é invisível aos olhos e só pode ser percebido com o coração.” Então ficou assim:
Vou te contar
Os olhos já não podem ver
Coisas que só o coração pode entender...
Para fechar a primeira estrofe, usa sua incorrigível mania de falar sobre as coisas do amor:
Fundamental é mesmo o amor
É impossível ser feliz sozinho.
Tom é assim. Natural. Canta a filosofia do coração, as belezas do amor e mistura o amor e o coração com a natureza:
O resto é mar
É tudo que eu não sei contar
São coisas lindas que eu tenho pra te dar
(...)
Da primeira vez era a cidade
Da segunda, o cais e a eternidade…
E o título? Sim, porque “Wave” (Onda) tinha sido o nome de batismo da música em inglês, e ele estava escrevendo uma letra em português. Como a música já era conhecida pelo título original, ele achou que ficava bom manter o mesmo título em inglês também para as gravações que seriam feitas com sua letra em português. Agora, só estava faltando colocar “onda” na letra. Pensou: “Como é que eu faço agora?” Ele mesmo responde na estrofe final:
Agora eu já sei
Da onda que se ergueu no mar
E das estrelas que esquecemos de contar
O amor se deixa surpreender
Enquanto a noite vem nos envolver.
No final da entrevista, o repórter observa maravilhado:
— É, Tom. O Chico havia começado fazer a letra, e você terminou.
E o Tom, que não perdia uma oportunidade para brincar:
— Pois é. Veja você: o Chico começou com um “Vou te contar”. No fim, quem acabou contando fui eu mesmo…
Por Edgar Nascimento
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